sábado, 1 de dezembro de 2012

O samba

A semente do samba chegou ao Brasil nos porões malditos dos tumbeiros, espalhou-se pela Noite Grande e germinou em solo nacional, tornando-se a mais alta e forte árvore nativa, resistente como a sucupira, enraizada como o pau-brasil, encantada como a jurema. O samba nos civilizou. Ele nos deu uma identidade e um lugar no mundo. 

Dizem os mais velhos que na África antiga houve um orixá chamado Samba ou Semba. Ele não chegou a ser cultuado no Brasil porque estava entre os deuses que morreram junto com seus filhos nos navios negreiros que cruzaram o Atlântico. É por isso, talvez, que o samba tem algo de sagrado e de misterioso. É por isso, talvez, que há na roda de samba algo de litúrgico, de missa pagã, onde o transe se faz presente na dança e a reza vem em forma de canto. 

O samba é um rei consciente de sua nobreza. Ele dá aos seus súditos a chance de renascer para uma nova vida: o gari que se torna príncipe no Carnaval, mestre-sala a defender as cores de sua escola na avenida; o burocrata que vira poeta, cantado em versos pelo povo que o faz imortal; Selminha Sorriso, motorista do Corpo de Bombeiros que se transforma na linda porta-bandeira da Beija-Flor...

Apesar do preconceito do qual ainda é alvo, o samba subverte a lógica capitalista e sobrevive ao tempo, cravado na alma brasileira como fosse uma tatuagem genética. É ele quem nos consola, quando ninguém mais se importa. Ele acusa e ridiculariza os poderosos, afaga as mulheres e conforta os boêmios solitários. Quando tudo nos falta, resta o samba. Ele nos toca o espírito e faz de nós os seus cavalos. 

O samba é de Exu, porque celebra a rua, a vida e o corpo com sua festa libertária; é de Ogum, porque ajuda a vencer as demandas na luta pela sobrevivência; é de Oxóssi, porque traz o pão para a mesa do pobre; é de Xangô, porque denuncia as injustiças sociais; é de Oxum, porque sensual e benevolente; é de Iemanjá, porque tem a profundidade do mar; é de Iansã, porque se propaga no vento; e é de Oxalá, porque traz a sabedoria ancestral dos preto-velhos. 

Hoje, Dia Nacional do Samba, é dia de sair mais cedo do trabalho. É um dever cívico encontrar os amigos do peito e, ao redor de uma mesa repleta de copos e garrafas, fazer uma roda de samba. Hoje é dia de cantar Candeia e Cartola, Baiaco e Brancura, Noel Rosa e Silas de Oliveira, Vassourinha e Roberto Ribeiro. É dia de lembrar João Nogueira, de chorar com Nelson Cavaquinho e de se entregar à vida com a intensidade de um amor correspondido.

2 comentários:

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  2. Coisa linda seu texto, uma merecida homenagem ao nosso Deus Samba que entregou sua alma aos brasileiros que o celebram cantado e dançando.

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