sábado, 17 de novembro de 2012

As moças da Paraíba


A música brasileira é uma das mais ricas do mundo, tendo em vista a sua imensa variedade de ritmos regionais, o timbre de seus instrumentos, a poesia espontânea que brota de seus artistas populares e a permanência atemporal de sua cultura. A música brasileira, esta fortaleza, atravessa os séculos sem nunca se dobrar, apesar de estar quase sempre proibida na programação das rádios e das TVs comerciais.

De Norte a Sul do Brasil, a música regional resiste às pressões das multinacionais do disco e encontra brechas para se fazer ouvir, independente dos desejos da indústria cultural. Não raro, a música brasileira subverte a lógica do mercado e se impõe nos grandes palcos, levada pelas mãos do povo que não vende a própria cultura.

Há pouco conheci umas moças da Paraíba que me deixaram profundamente emocionado. Amo a cultura do Nordeste – detentora de nossa música mais resistente. Ela é capaz de sobreviver ao tempo como um patrimônio único da identidade nordestina – e brasileira. E dentro desta cultura fantástica que é a nordestina, a paraibana talvez seja a mais intensa, com seus xaxados, seus cocos-de-roda, suas cirandas, suas quadrilhas e forrós...

O paraibano é um povo radicalmente ligado às suas raízes – e isso pode ser percebido inclusive nas escolas locais, onde o folclore é cultivado, não como matéria de estudo, mas como forma viva de se expressar perante o mundo. A dança, a poesia e a música são parte indissociável da formação do paraibano desde a mais tenra idade. Isto fica evidente quando vemos uma apresentação das meninas do grupo Clã Brasilpor exemplo. 

Fiquei um pouco surpreso ao descobrir que o grupo tem mais de dez anos de estrada. E mais ainda: que já se apresentou em países como Alemanha e Estônia, gravou três DVDs e dividiu palco com artistas consagrados como Sivuca, Alceu Valença e Dominguinhos em shows pelo Nordeste. A alegria pela descoberta foi acompanhada por um dedo de decepção: como é que eu nunca tinha ouvido falar desse grupo, mesmo escrevendo sobre música brasileira desde 2001?

No fole de Lucy Alves – herdado do bisavô Dedé do Cantinho – e em sua voz agreste, moram referências legítimas (não só musicais) de Jackson do Pandeiro, Gordurinha, Antônio Barros, Jacinto Silva, Luiz Gonzaga, Marinês, Mestre Vitalino, Lampião e Maria Bonita. Na postura da líder do grupo se percebe a defesa intransigente da tradição mais cara ao povo de Itaporanga (terra das moças) – como podemos apreender nesta música, O Galo, de autoria de seu antepassado:


As meninas do Clã Brasil são uma grata realidade. É perceptível que ainda têm muito a crescer musicalmente, mas louve-se a posição que já ocupam no Nordeste: a de um grupo que encarna – em oposição aos falsos artistas “universitários” que usam em vão o santo nome do forró para fazer sucesso – o melhor do povo de seu lugar. E que aos poucos vai levando este mesmo lugar para os cantos mais distantes do País.

Querem afastar o Brasil dos brasileiros, mas não conseguirão. E não conseguirão porque sempre há de nascer no sertão meninas como Lucy Alves, suas irmãs Laryssa e Lyzete, e sua amiga Fabiane (as integrantes do quarteto), dispostas a tocar em frente a tradição, respeitando os mais velhos sempre, mas sem deixar de dar à música sua bem-vinda contribuição de juventude – é o que fazem ao remoçar Feira de Mangaio, obra-prima de Sivuca, naquela que foi uma das últimas apresentações em vida do sanfoneiro:


As moças da Paraíba – e como são bonitas, as moças... – enchem o meu coração de orgulho e esperança no futuro do Brasil.



2 comentários:

  1. Eu, que também não conhecia o Clã Brasil, achei ótimo você ter compartilhado o talento dessas meninas. E é exatamente isto: "Querem afastar o Brasil dos brasileiros, mas não conseguirão."

    Um abraço,
    Thaís Velloso.

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  2. emocionante o texto, parabéns!


    poucos jornalistas conhecem ou reconhecem o trabalho delas por aqui! abraços

    halley

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