sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Mestiço é bom


Eu tenho certeza que nós fizemos um país bonito, temos é que enforcar os canalhas. Os finos e educados, temos que enforcar. Mas, olha, o que eu digo, sempre, é muito fácil fazer uma Austrália: pega meia dúzia de franceses, ingleses, irlandeses e italianos, joga numa ilha deserta, eles matam os índios e fazem uma Inglaterra de segunda, porra, de terceira, aquela merda.
O Brasil precisa aprender que aquilo é uma merda, que o Canadá é uma merda, porque repete a Europa. É para ver que nós temos a aventura de fazer o gênero humano novo, a mestiçagem na carne e no espírito. Mestiço é que é bom.

Minha carne na Europa nunca foi tomada por portuguesa, ou por espanhola, ou por grega. Perguntaram se eu era persa, porque tinha muito mais cara de árabe, que parece muito mais com cara de índio.

Essas carnes velhas nossas não são caras viáveis na Europa. Então, nós fizemos um povo. Um povo capaz de herdar 10 mil anos de sabedoria indígena, de adaptação ao trópico e fazer uma civilização tropical. Depois é que o europeu chega aqui, plantando trigo. Esse povo está aí e eu digo que somos a nova Roma. Em Roma, querem que vá falar disso, querem que eu escreva mais artigos. E por que nova Roma? Somos a maior massa latina. Os franceses ficaram tocando punheta, os italianos bebendo chianti, os romenos com medo dos russos, quem saiu fodendo por aí foi espanhol e português e fizemos uma massa de gente que é de 500 milhões.

Então, os latinos só se multiplicaram aqui. Há dois mil e quinhentos anos saíram soldados do laço da Etrúria, falando latim, fizeram a França, fizeram Portugal, não sabem como. Pegaram os selvagens de lá, latinizaram e permaneceram. Como é que permaneceram em plena Península Ibérica, com 900 anos de domínio árabe e não se arabizaram? Como é que aguentaram todas as invasões e se mantiveram?

Nós somos melhores, porque lavados em sangue negro, em sangue índio, melhorado, tropical. Então, no futuro, você vai ver daqui a 100 anos, numa reunião, qualquer uma da humanidade, aquele bloco enorme de chineses, vão sobrar chineses, mais da metade dos homens serão chineses. Um absurdo! Vai haver quantidade de árabes, mil milhões de árabes. Importantíssimo, serão uma nova civilização, mil milhões de árabes fiéis à arabidade. Haverá 500 milhões de neobritânicos, haverá muitos outros. E haverá mil milhões de latino-americanos, que somos nós, os latinos. Só nós estamos com a cara lá, nós somos Roma.

Na reunião da humanidade, o que é importante não é a França, a Europa. Aquilo que dizia Sartre. A Europa, aquela peninsulazinha da Ásia, dobrada sobre a África, vai ficar reduzida ao seu tamanho. Vai ficar no mundo, no futuro, a América Latina, e na América Latina o Brasil, o Brasil com 300 milhões de habitantes.

Não é uma beleza? Mas querem acabar com a foda aqui, querem nos liquidar. O que eu quero é que esse povo cresça e esse povo vai realizar sua potencialidade. Não é possível que durante tantos séculos uma classe dominante infiel nos queira explorar como um proletariado externo. Isso não vai continuar, não. Eu escrevi um livro, “O Povo Brasileiro”, que vai ajudar aos brasileiros a se assumirem com orgulho como a nova Roma e entenderem que nós somos muito mais difíceis de fazer do que a merdinha da Austrália. Que nós estamos nos fazendo, que nós vamos amadurecer e é preciso vencer um dia a canalha. Eu quase venci em 1964. É claro que eu não podia vencer, com Lyndon Johnson mandando os navios dele para cá, com o jango não querendo brigar. Mas quase vencemos.

Somos uma Roma tardia. O seu gene tem gene Tupinambá, os que foram mortos. É a herança dos trópicos, vai melhorar. No dia em que a economia não seja para exportar, mas seja, como a norte-americana, para consumir.

Darcy Ribeiro (1922-1997). Do livro “Mestiço É Que É Bom” (editora Revan, 1997)

Um comentário: